O que acontece quando fazemos cocô? – … e por que é importante fazer essa pergunta?

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O que acontece quando fazemos cocô? – … e por que é importante fazer essa pergunta?

O funcionamento da evacuação é uma proeza – dois sistemas nervosos trabalham escrupulosamente juntos para descartar nosso lixo da maneira mais discreta e higiênica possível. Quase nenhum outro animal cumpre essa tarefa de modo tão exemplar e ordenado como nós. Para tanto, nosso corpo desenvolve toda sorte de mecanismos e truques. A começar pela sutileza dos nossos mecanismos de fechamento. Quase todo o mundo conhece apenas o esfíncter externo, que conseguimos abrir e fechar intencionalmente. Mas existe outro esfíncter muito semelhante, a poucos centímetros de distância, que não conseguimos controlar de maneira consciente.

Cada um desses dois esfíncteres representa os interesses de outro sistema nervoso. O esfíncter externo é o fiel colaborador de nossa consciência. Quando nosso cérebro acha inadequado ir ao banheiro em determinado momento, o esfíncter externo ouve a consciência e aperta- se o máximo que consegue. O esfíncter interno representa o nosso mundo interno e inconsciente. Se a tia Berta gosta de peidos ou não, ele não está nem aí. A única coisa que lhe interessa é nosso bem-estar interno. O peido está nos comprimindo? O esfíncter interno quer manter tudo que é desagradável longe do nosso corpo. Por ele, a tia Berta poderia peidar mais vezes. O importante é que a vida dentro do corpo seja confortável, que nada a incomode.  Quando os restos de nossa digestão chegam ao esfíncter interno, ele se abre como que por reflexo. Mas não manda tudo de uma vez para o colega de fora; primeiro, só uma amostra. No espaço entre o esfíncter interno e o externo encontram- se várias células sensoriais. Elas analisam o produto fornecido para definir se ele é sólido ou gasoso e enviam sua informação lá para cima, para o cérebro. Nesse momento, o cérebro observa: Preciso ir ao banheiro! … ou talvez só dar uns peidos. Ele faz, então, o melhor que pode com sua “consciência consciente”: insere nos em nosso ambiente. Para tanto, recebe informações dos olhos e das orelhas e consulta seu patrimônio de experiências. Em segundos, surge a primeira avaliação, que o cérebro transmite de volta ao esfíncter externo: “Dei uma olhada, estamos justamente na sala da tia Berta – talvez até dê para soltar uns peidos, mas só se você deixá-los escapar sem fazer barulho. Resíduo sólido, melhor não. ”

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O esfíncter externo compreende e se fecha com toda a fidelidade, mais apertado ainda do que antes. O esfíncter interno também acaba recebendo esse sinal e respeita a decisão do colega. Eles se unem e empurram a amostra para uma fila de espera. Em algum momento ela terá de sair, mas não aqui e agora. Algum tempo depois, o esfíncter interno vai testar outra amostra. Se nesse meio- tempo já estivermos comodamente sentados no sofá de casa, o campo estará livre! Nosso esfíncter interno é um cara decente. Seu lema é: o que deve ir para fora tem de sair. E não há muito que interpretar nesse seu lema. J á o esfíncter externo tem sempre de cuidar da parte complicada: teoricamente, até poderíamos usar o banheiro alheio, ou melhor não? Será que nos conhecemos o suficiente para peidar na frente um do outro? Tenho de ser o primeiro a quebrar o gelo? Se eu não for agora ao banheiro, só vou poder ir à noite, e ao longo do dia isso pode se tornar desagradável!

Se nos impedimos várias vezes seguidas de ir ao banheiro, embora tenhamos necessidade, acabamos intimidando o esfíncter interno. Com isso, podemos até reeducá-lo. A musculatura circunstante e ele próprio são tão disciplinados pelo esfíncter externo que acabam se desencorajando. Quando a comunicação dos esfíncteres se torna glacial, podem surgir até constipações. Isso também pode acontecer às mulheres quando dão à luz, sem que elas exerçam nenhuma repressão intencional ao funcionamento da evacuação. Nesse caso, delicadas fibras nervosas, através das quais os dois esfíncteres se comunicam, podem se romper. A boa notícia: os nervos também podem voltar a se aglutinar. Pouco importa se os danos foram causados por um parto ou de outra forma; nesse caso, ocorre a chamada terapia de biofeedback. Com ela, os esfíncteres que ficaram separados por um tempo aprendem a se entender novamente. Esse tratamento é realizado em procedimentos gastrenterológicos selecionados. Uma máquina mede a produção do trabalho em conjunto do esfíncter externo com o interno. Se estiverem funcionando bem, a recompensa é um som ou um sinal verde. É como em um desses programas de televisão em que, quando se responde corretamente à pergunta, luzes se acendem no palco e ouve- se um tilintar. Só que, em vez de ser na televisão, isso acontece no consultório, quando o médico coloca um eletrodo munido de sensor no traseiro do paciente. A experiência vale a pena: quando o esfíncter interno e o externo voltam a se entender, tem- se de imediato muito mais disposição para ir ao banheiro.