Sobre limpeza e bactérias boas

Oxiúros
5 de dezembro de 2016

Sobre limpeza e bactérias boas

Queremos nos proteger de coisas ruins. Dificilmente alguém pegaria salmonela ou uma Helicobacter ruim por vontade própria. Mesmo que não as conheçamos todas, não queremos nenhuma bactéria que engorde, que desencadeie diabetes nem micróbios que nos deixem tristes. Nossa principal proteção é a limpeza. Somos cuidadosos ao comer comida crua, não beijamos desconhecidos e nos livramos dos patógenos com água quente. Mas nem sempre a limpeza é o que consideramos.

Em um intestino, ela pode ser imaginada como se fosse realizada em uma floresta. Nem mesmo a pessoa mais fanática por limpeza testaria um esfregão nesse local. Uma floresta é limpa quando nela predomina um equilíbrio das plantas úteis. O que se pode fazer para ajudá-la é acrescentar a ela novos vegetais e torcer para que vinguem. Além disso, podem-se selecionar as plantas preferidas e cuidar delas para que se multipliquem e cresçam. Às vezes, aparecem parasitas repugnantes. Nesse caso, é preciso ponderar corretamente. Se nada mais funcionar, apela-se para os agrotóxicos. Pesticidas operam verdadeiros milagres contra parasitas, mas não se pode usá-los como se fossem desodorantes.

Uma limpeza inteligente já começa no dia a dia. O que devemos realmente levar em conta e o que é higiene exagerada? Existem sobretudo três instrumentos que limpam o meio do nosso corpo: com os antibióticos podemos afastar patógenos agudos; com produtos como prebióticos e probióticos, estimulamos o que é bom. “Pro bios” significa “a favor da vida”. Probióticos são bactérias vivas, que ingerimos e que podem nos tornar mais saudáveis. Traduzindo, “p re bios” significa “antes da vida”. Prebióticos são alimentos que chegam ao intestino grosso e nele nutrem bactérias boas, fazendo com que elas cresçam mais do que as ruins. “Anti bios” significa “contra a vida”. Antibióticos exterminam as bactérias e podem nos salvar quando contraímos as ruins.

Limpeza no dia a dia

A limpeza é fascinante, pois em sua maior parte se realiza na cabeça. Uma bala de hortelã tem um sabor fresco, janelas limpas são claras, e ir deitar em uma cama com lençóis limpos após tomar banho causa uma sensação divina. Gostamos de sentir o cheiro de limpeza. Gostamos de passar a mão em superfícies lisas e brilhantes. Quando usamos desinfetantes, ficamos tranquilos ao pensar que estamos protegidos por um mundo invisível de germes.

Há 130 anos, descobriu-se na Europa que bactérias causam a tuberculose. Foi a primeira vez que se tomou conhecimento público das bactérias, que foram apresentadas como ruins, perigosas e, sobretudo, invisíveis. Logo foram introduzidas na Europa novas regras: os doentes passaram a ser isolados para que não retransmitissem seus germes; nas escolas, era proibido cuspir; o contato físico estreito foi rejeitado; e o “compartilhamento da toalha” tinha de ser evitado. Além disso, devia-se restringir o “beijo às situações eroticamente inevitáveis”. Embora esses mandamentos soem engraçados, eles acabaram por se ancorar profundamente na organização da sociedade europeia. Desde essa época, cuspir é visto como falta de educação, compartilhar toalhas não é frequente e evita-se o contato físico.

Escapar de uma doença fatal por deixar de cuspir no chão da escola pareceu uma atitude louvável. Tornou-se uma regra que se gravou no cérebro. Passou-se a condenar quem não a seguia e, assim, punha todos os outros em risco. Essa condenação foi ensinada aos filhos, e o ato de cuspir ganhou uma imagem negativa. Cuidar da limpeza tornou-se um ato reconhecido, as pessoas se esforçaram para manter a ordem em uma vida repleta de caos.

No início do século XX na Alemanha dermatologistas pediam: “Que todo alemão tome um banho por semana!” Na época, grandes empresas faziam campanhas de saúde, construíam instalações sanitárias para seus empregados e lhes forneciam gratuitamente sabonete e toalha. Somente em 1950 o banho semanal se impôs aos poucos. A família de classe média tomava banho todo sábado – uma pessoa após a outra na mesma água –, e em algumas famílias o papai que trabalhava duro podia ser o primeiro a entrar na banheira.

Antigamente, a limpeza corporal significava eliminar o mau cheiro ou a sujeira visível. Com o tempo, essa ideia foi ficando cada vez mais abstrata. Hoje, já não conseguimos imaginar um banho semanal da família. Compramos até desinfetantes para limpar o que nem sequer conseguimos enxergar. Depois de usá-los, a aparência é a mesma de antes. Mesmo assim, valem a pena. Jornais e noticiários nos relatam a respeito de perigosos vírus da gripe, germes multirresistentes ou escândalos com a bactéria EHEC. Todos perigos invisíveis, dos quais queremos nos proteger. As pessoas lidam com o medo de maneiras diferentes. Julgá-las seria um tanto simples – deve-se, antes, entender de onde vem esse medo.

Na higiene do medo, trata-se de limpar ou exterminar tudo. Não sabemos ao certo o quê, mas pensamos no pior. De fato, desse modo, limpamos tudo: o que é ruim e o que é bom. Esse tipo de limpeza não pode ser a correta. Quanto mais elevado o padrão de higiene em um país, mais alergias e doenças autoimunes ele terá. Quanto mais estéril for uma casa, mais alergias e doenças autoimunes terão seus moradores. Há trinta anos, cerca de um a cada dez alemães era alérgico a alguma coisa – hoje é um a cada três. Ao mesmo tempo, desde então, o número de infecções não se reduziu visivelmente. Uma higiene inteligente parece ser outra coisa. A pesquisa com as bactérias deste mundo anuncia uma nova compreensão da limpeza. Já não se trata apenas de exterminar o que é perigoso.

Mais de 95% de todas as bactérias do mundo não nos fazem nada. Muitas nos ajudam em grande medida. Em uma casa normal, não há o que desinfetar, a menos que alguém na família esteja doente ou que o cão tenha evacuado no chão da sala. Se ainda por cima o cão estiver doente, não há limite para a criatividade: limpadores a vapor, inundação de desinfetante, pequenos lança-chamas… algo assim pode até ser divertido. Porém, quando o chão está repleto de pisadas de sapato, bastam água e algumas gotas de desinfetante. Ambos já reduzem as bactérias do chão em até 90%. Assim, a população normal que habita o solo tem a chance de voltar – quanto à parte ruim, não restam muitas possibilidades.