Toxoplasmas – Intrépidos passageiros de gatos – Parte 3

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Toxoplasmas – Intrépidos passageiros de gatos – Parte 3

Nosso corpo é inteligente. Quando um parasita tem de ser combatido no cérebro, nosso humor dá uma piorada. Geralmente, a ativação da IDO é um acordo. De vez em quando, o corpo também utiliza essa enzima para tirar a comida das próprias células. Durante a gestação, a IDO é ativada com mais intensidade – mas apenas no ponto de contato direto com o feto. Nesse local, o alimento é tirado das células imunocompetentes, que, portanto, perdem força e tornam-se mais amenas em relação ao feto semi desconhecido.

Poderia a falta de motivação desencadeada pela IDO ser suficiente para alguém cometer suicídio? Ou, em outros termos: o que é necessário para alguém pensar em suicídio? Onde o parasita teria de se estabelecer para que se desligasse o medo natural do ser humano de fazer mal a si próprio? O medo é atribuído a uma parte do cérebro chamada de amígdala. Há fibras que correm dos olhos diretamente para ela. Assim, quando deparamos com uma aranha, podemos sentir medo de imediato. Até mesmo quando o centro de visão no cérebro é destruído por um ferimento na parte posterior da cabeça e o indivíduo fica cego. Ele já não “vê” a aranha, mas ainda a “sente”. Portanto, nossa amígdala tem uma participação essencial no surgimento do medo. Quando danificada, as pessoas o perdem. Quando se pesquisam hospedeiros intermediários dos toxoplasmas, constatasse que, na maioria das vezes, os apartamentos com as criaturinhas sonolentas encontram-se em músculos e no cérebro. Com menor frequência, elas podem ser encontradas em três locais do cérebro: na amígdala, no centro olfativo e na região logo atrás da testa. Como já foi dito, a amígdala é responsável pela percepção do medo; o centro olfativo também poderia fazer com que, nos ratos, a urina de gato fosse apreciada. A terceira região cerebral é um pouco mais complexa.

Essa parte do cérebro cria possibilidades a cada segundo. Se ao participante de um estudo, ligado aos devidos receptores, fizéssemos perguntas sobre fé, personalidade e moral, ou ainda se lhe apresentássemos desafios cognitivos, veríamos na ressonância cerebral uma intensa atividade nessa região. Segundo uma teoria da pesquisa cerebral, nessa área são traçados muitos esboços por segundo. “Eu poderia acreditar na religião que meus pais me transmitiram. Durante a conferência, eu poderia lamber a mesa à minha frente. Eu poderia ler um livro e tomar chá. Eu poderia vestir esse cachorro com uma roupa engraçada. Eu poderia cantar uma canção diante da câmera ligada. Eu poderia dirigir agora a 150 km/h. Eu poderia pegar esta lâmina de barbear.” A cada segundo, centenas de possibilidades – independentemente da que vencer, ela será executada. Faz todo sentido estabelecer-se aqui como parasita engajado. A partir desse ponto, talvez seja possível apoiar tendências autodestrutivas, de maneira que esses impulsos acabam sendo menos reprimidos na escolha da ação. A pesquisa não seria “a pesquisa” se não tivesse repetido o belo experimento de Joanne Webster em seres humanos. Portanto, desta vez em pessoas que deveriam sentir o cheiro da urina de diversos animais. Homens e mulheres infectados com toxoplasmose avaliaram o xixi de gato de maneira diferente dos participantes sem parasitas. A apreciação positiva dos homens foi visivelmente maior do que a das mulheres.

O olfato é um dos sentidos mais fundamentais. Diferentemente do paladar, da audição ou da visão, as impressões olfativas não são controladas a caminho da bconsciência. Curiosamente, é possível sonhar com todas as impressões sensoriais, menos com o olfato. Os sonhos são sempre inodoros. Além dos toxoplasmas, porcos farejadores de trufas sabem muito bem que os sentimentos podem surgir dos odores. Com efeito, as trufas têm o mesmo odor de um porco macho, prontíssimo para o acasalamento – e quando esse odor está escondido debaixo da terra as fêmeas farejadoras começam a remexê-la, inebriadas de amor, até… entregarem a seu dono ou dona o decepcionante e nada erótico cogumelo. Quando se pensa como deve ser frustrante esse tipo de busca para uma porca, o preço da trufa parece mais do que justo. Seja como for, o fato é que o odor pode provocar atração. Algumas lojas também apostam nesse efeito. No jargão técnico, fala-se em “marketing olfativo”. Uma marca americana de roupas chega a utilizar feromônios sexuais. Em Frankfurt veem-se regularmente filas de adolescentes diante da loja escurecida, que pulveriza no ar um perfume sedutor. Se a rua comercial fosse próxima de uma área com porcos soltos, daria para imaginar algumas cenas engraçadas. Portanto, se outro ser nos faz perceber os odores de maneira diversa, não poderia também produzir impressões sensoriais totalmente diferentes? Existe uma doença cujo principal sintoma são impressões sensoriais produzidas erroneamente: a esquizofrenia. As pessoas afetadas têm, por exemplo, a sensação de que formigas estão subindo por suas costas, embora em parte alguma se vejam os bichinhos rastejadores. Ouvem vozes, obedecem às suas ordens e, além disso, podem mostrar-se bastante apáticas. De 0,5% a 1% da humanidade é esquizofrênica. A síndrome não é clara em muitos pontos. A maioria dos medicamentos que de certo modo funcionam aposta em desintegrar no cérebro determinado sinal químico, presente em abundância: a dopamina. Os toxoplasmas possuem genes que intervêm na produção de dopamina no cérebro. Nem todos os que sofrem de esquizofrenia são portadores do parasita – portanto, ele não pode ser a única causa –, mas entre os esquizofrênicos há duas vezes mais portadores de toxoplasmas do que no grupo de comparação sem a doença.

Portanto, teoricamente, o Toxoplasma gondii poderia exercer alguma influência no cérebro através dos centros responsáveis pelo medo, pelo olfato e pelo comportamento. Probabilidades mais elevadas de acidentes, tentativas de homicídio ou esquizofrenia indicam que a infecção não passa despercebida em todos nós. Ainda levará tempo até que essas descobertas tenham alguma consequência em nosso cotidiano médico. Suposições precisam ser comprovadas, e possibilidades terapêuticas, mais bem pesquisadas. Essa demorada salvaguarda da ciência pode custar vidas – os antibióticos só chegaram às farmácias décadas depois de sua descoberta. Mas também pode salvar vidas – o medicamento Contergan ou o amianto bem que poderiam ter sido testados por mais tempo.

Os toxoplasmas podem nos influenciar mais do que acreditávamos alguns anos atrás. Por isso, anunciaram uma nova era, em que até mesmo um fragmento tosco de excremento de gato pode mostrar tudo que contribui para determinar nossa vida. Um tempo em que compreendemos lentamente como somos ligados à nossa comida, aos nossos animais e ao minúsculo mundo que vive em nós. De arrepiar? Talvez um pouco. Mas não seria também emocionante o fato de aos poucos decifrarmos processos que, até então, só aceitávamos como destino? Assim, podemos agarrar com as duas mãos os riscos que surgem em nossa vida. Às vezes, uma pá de areia da caixa sanitária do gato, carne bem passada e frutas e verduras lavadas já são suficientes para afastar esses riscos.